Texto inédito de Marighella: Discurso da Delegação do Brasil na OLAS

Em 1967, em Cuba, polo revolucionário dos países subjugados pelo imperialismo, foi fundada a Organização Latino-Americana de Solidariedade. Sua sigla, OLAS, significa “ondas” em castelhano. Em oposição à tese da “coexistência pacífica”, então pregada pela URSS, os revolucionários liderados por Fidel propagavam o lema “o dever de todo revolucionário é fazer a revolução”.

A direção do PCB, orientada pela linha da URSS, boicotou a OLAS. Mas os cubanos endereçaram um convite pessoal a Marighella, que fazia oposição às concepções da cúpula pecebista.

Conforme o relato de Mario Magalhães na sua famosa biografia, “Marighella, o guerrilheiro que incendiou o mundo”, “Marighella redigiu o discurso da delegação brasileira, mas se recusou a pronunciá-lo, por não ser seu membro oficial (…) Enquanto os oradores das ex-colônias espanholas se proclamavam continuadores de Bolívar e outros libertadores da América, o texto de Marighella reivindicou a luta quilombola de Palmares, dos combatentes da ‘guerra de guerrilhas’ contra os holandeses no Nordeste, do ‘corajoso campesinato’ de Canudos e de ‘lutas armadas anti-imperialistas’, como a Guerra do Contestado”.

Segue abaixo o referido discurso redigido por Marighella, que traduzimos pela primeira vez do francês dos registros feitos por François Maspero, que constam em “Olas – 1ª conférence de l’organisation latino-américaine de solidarité”:

Discurso da Delegação do Brasil na OLAS – Redigido por Carlos Marighella

O surgimento de uma vanguarda que soube combinar, de forma admirável, as experiências das condições específicas de Cuba e a arma da teoria revolucionária enriqueceu a experiência do movimento revolucionário mundial e ofereceu novos instrumentos de análise à luta de classes da era imperialista.

A delegação brasileira representa um povo cuja luta também percorreu este caminho. Em Palmares ocorreu a maior das revoltas de escravos da África.

No Nordeste de nosso país, uma guerra de guerrilha contra o domínio holandês marcou o início da nacionalidade brasileira. No início deste século, em Canudos, o corajoso campesinato do sertão infligiu duras derrotas ao exército que defendia os latifundiários. Duas lutas armadas antiimperialistas foram travadas na Guerra do Contestado e na luta contra a perda do Acre aos ianques. Em Santa Catarina, no sul do país, os camponeses infligiram as derrotas mais severas ao exército que defendia os interesses das empresas imperialistas ianques.

Essas lutas foram seguidas por um período relativamente longo, durante o qual a luta das massas foi desviada de seu curso histórico pela ausência de uma vanguarda revolucionária capaz de conduzir o povo à luta armada pela tomada do poder.

Este período, que terminou com o golpe imperialista de 1º de abril de 1964, não foi senão uma sucessão de traições aos interesses de nosso povo. A tese do caminho pacífico da Revolução Brasileira e o abandono da luta de classes em nome do nacionalismo burguês levou o movimento de massas a seguir os setores mais fracos da burguesia. As massas populares, operários e camponeses brasileiros, marinheiros e soldados, estudantes entendiam, muito antes de seus dirigentes, de que lado estavam seus interesses. Primeiro, pela radicalização da luta nos momentos críticos de 1964. Segundo, pelas manifestações contra a ditadura militar pró-imperialista, manifestações que continuam a ocorrer apesar da repressão. Nosso povo se recusou a apoiar a farsa eleitoral de 1965: de um total de 20 milhões de eleitores registrados, 8 milhões votaram em branco, cancelaram seu voto ou escreveram slogans revolucionários, manifestando assim sua convicção. Este fato representa uma derrota para a ditadura e a desmoralização dos oportunistas e pseudo-revolucionários que, tendo participado nas eleições, foram derrotados.

Destas novas condições de luta surgiu a necessidade imperiosa de uma vanguarda que esteja à altura e digna de liderar suas massas. Lenin afirmou que nos momentos que a realidade impõe novas tarefas, surgem novas forças capazes de realizá-las. Definir essas forças é questionar a realidade sobre a natureza das tarefas atuais.

Sabemos que no Brasil, como em toda a nossa América, a tarefa fundamental é conjugar as lutas de massas contra o imperialismo, e elevar essas lutas ao mais alto nível. Nenhuma vanguarda pode reivindicar este nome se não for capaz de combinar todas as formas de luta e levar o povo a tomar o poder. Nenhuma vanguarda pode reivindicar este nome se não se preparou e se não preparou o povo por meio da luta armada. Aqueles que pretendem se esquivar deste dever, sob o pretexto do falso dilema entre a luta política e a luta armada, serão ignorados pelo povo e condenados pela história. A experiência revolucionária mundial demonstra com precisão a unidade entre a luta política das massas e a luta armada.

Ninguém duvida da importância para a revolução brasileira da luta armada que começará no campo; que só aí se encontram as condições para mantê-la; assim como ninguém ignora que em momentos decisivos as cidades realizarão plenamente o destino da Revolução. Não apenas pela importância fundamental do sistema industrial urbano na economia brasileira; não só por causa da importância numérica do proletariado; mas, principalmente, pelo papel reservado à classe operária como cabeça da revolução brasileira.

A atual vanguarda está organizando as massas em um vasto movimento revolucionário. É a prática que mostrará se nós somos capazes de fazer a revolução interpretando as experiências corretas à luz da teoria revolucionária, sem a qual não pode haver movimento revolucionário.

Partindo desta convicção, colocamo-nos na cena internacional, somos solidários com todos os povos que lutam contra o imperialismo. A melhor forma de mostrar nossa solidariedade é desdobrar todas as nossas forças para destruir o imperialismo ianque e suas bases de dominação em nosso país. “A melhor forma de solidariedade é a própria luta”, disse o Comandante Turcios Lima; assim compreendeu plenamente o comandante-padre Camilo Torres, e assim o entende hoje a vanguarda revolucionária de nossa América. Solidariedade na luta e pela luta. Nesta área já fizemos alguns avanços quando demonstramos plenamente nossa solidariedade com a Revolução Cubana.

Mas não devemos esquecer que o poder revolucionário em Cuba é o resultado de uma luta de guerrilha e não podemos separar a solidariedade com a Revolução cubana dos movimentos de luta armada pela libertação de nossos povos. Não é precisamente antes da tomada do poder, em meio a uma luta de guerrilha, que os revolucionários mais precisam de solidariedade? É a postura adotada diante dessa luta revolucionária que demonstra a verdadeira solidariedade com os povos do continente.

Consideramos incompatível com a solidariedade revolucionária o fato de os países que afirmam apoiar as lutas de libertação nacional concederem créditos que já atingem quase que a soma de 200 milhões de dólares à ditadura militar pró-imperialista que oprime o povo brasileiro, ou que outros colaborem ativamente nos planos de dominação ideológica de nosso país. O principal inimigo já é conhecido. Diante do imperialismo, só pode haver duas posições:

  • dos nossos queridos irmãos do Vietnã, de Cuba e de todos os povos que lutam ativamente contra o imperialismo,
  • ou, por outro lado, a posição dos opressores, seus aliados e seus cúmplices.

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