Resoluções da 7ª Plenária Nacional da Consulta Popular Joaquim Câmara Ferreira – Comandante Toledo

Apontamentos da Consulta Popular sobre a tática:

  1. O modelo econômico capitalista neoliberal, no caso brasileiro atravessado pelo patriarcado e pelo racismo estrutural, reúne um perfil de aparelho econômico com normas e instituições jurídico-políticas, o que lhe confere certa persistência ao longo do tempo. Como modelo econômico, ele é mais amplo que a política econômica e social dos diferentes governos. Dentro de um mesmo modelo, observam-se variações na política de Estado, o que expressa o desenvolvimento da luta de classes e a alternância das frações burguesas que assumem a posição hegemônica no interior do bloco no poder.
  2. A política brasileira nos últimos 30 anos tem sido marcada por um fenômeno: o comportamento pendular da grande burguesia interna. Ao longo desse período, todo ele sob vigência do modelo econômico capitalista neoliberal, essa fração da burguesia brasileira se alternou em posições mais ou menos subordinadas aos interesses do imperialismo, reafirmando o que Jacob Gorender, no livro A burguesia brasileira (Brasiliense, 1998), chamou de uma relação associativa e contraditória. Esse movimento pendular da grande burguesia interna expressou-se em mudanças nas políticas econômica e social, mas buscou preservar o modelo econômico capitalista neoliberal.
  3. Com apoio da grande burguesia interna, os governos tucanos da década de 1990 aprofundaram o modelo neoliberal impulsionado pelo imperialismo. Promoveram a abertura comercial, a desregulamentação financeira e a supressão de direitos sociais e trabalhistas, desmontando uma série de mecanismos herdados do período desenvolvimentista. Tal processo resultou em um acirramento das contradições entre a grande burguesia interna e o campo neoliberal ortodoxo, favorecendo a aproximação daquela com o PT e a conformação da frente neodesenvolvimentista.
  4. A frente neodesenvolvimentista priorizou a grande burguesia interna, ao mesmo tempo que contemplava, secundariamente, os interesses das classes populares. Isso se deu em um contexto mais amplo de hegemonia neoliberal, o que significa dizer que o modelo econômico capitalista neoliberal foi preservado, ainda que houvesse importantes alterações na política de Estado. Tais mudanças permitiram moderar alguns aspectos desse modelo que eram mais destrutivos para a economia nacional e para as condições de vida e trabalho do povo.
  5. No curso dos governos petistas, a frente neodesenvolvimentista também acumularia contradições em seu interior. Isso fez com que segmentos da grande burguesia interna passassem a oscilar politicamente; a ofensiva restauradora neoliberal, por meio da Lava Jato, da campanha midiática e de protestos de massas de classe média, neutralizou importantes segmentos da grande burguesia interna; no curso da crise iniciada em 2013 e agravada com a abertura do processo de impeachment outros setores da grande burguesia interna se incorporaram ao campo neoliberal ortodoxo, que oferecia ao conjunto da burguesia a retirada de direitos sociais, o rebaixamento da massa salarial e o enxugamento do orçamento voltado a políticas sociais de interesse dos trabalhadores e grupos oprimidos.
  6. A força dirigente do golpe foi a burguesia associada ao capital internacional. Mas a força motriz foram as frações abastadas da classe média organizadas nos diversos movimentos reacionários surgidos no contexto do golpe. O favorecimento do grande capital ao longo do período neodesenvolvimentista também parece ter contribuído para lançar o médio capital na luta pelo golpe. A grande burguesia interna, ao mesmo tempo dependente e concorrente do capital internacional, também acabou dividida: parte defendeu Dilma até as vésperas do impeachment, outra parte se engajou ativamente pelo golpe, enquanto o restante se manteve neutro.
  7. A aplicação do programa neoliberal ortodoxo conquistada por meio do golpe expressou o encolhimento, do ponto de vista político, da relevância da grande burguesia interna. A candidatura de Lula, ao que tudo indica, tem efeitos na reativação de uma plataforma política dessa fração. Essa tendência expressa aquele movimento pendular historicamente observado. Isso implica que sua adesão a uma política econômica, social e externa mais progressista deverá ter como contrapartida a luta pela preservação das conquistas da burguesia em geral obtidas com essa nova rodada de aprofundamento neoliberal, ou seja, a manutenção das reformas neoliberais e o bloqueio à pretensão dos trabalhadores de revogá-las.
  8. Há um elemento novo que impede que a consolidação de uma frente política que aglutine a grande burguesia interna e as classes populares no atual período seja semelhante ao que foi observado no começo dos anos 2000. Trata-se do surgimento do neofascismo. Esse movimento reacionário de massas surge na esteira da campanha pela deposição de Dilma Rousseff, que, após um período de depuração, conformou o bolsonarismo, variante neofascista brasileira. Cabe apontar que Bolsonaro se relaciona a um movimento internacional de fortalecimento de governos de extrema direita associados a movimentos reacionários de massa, que expressam a crise da democracia burguesa.
  9. A ofensiva neoliberal se sustenta hoje graças à aliança com o neofascismo. O preço que o campo neoliberal ortodoxo paga por tal aliança é ter que lidar com a relativa insubordinação do movimento neofascista perante a fração burguesa dirigente. A aliança se fez necessária por dois motivos. Primeiro, as ideias neoliberais e a ideologia da globalização perderam força diante da ascensão das ideias neofascistas, que respondem, pela direita, à insatisfação popular e de setores médios diante dos efeitos de anos de neoliberalismo, com baixo crescimento econômico e endurecimento das condições gerais de vida. Segundo, tal aliança se apresentou como o caminho para evitar que a crise da frente neodesenvolvimentista abrisse espaço para uma alternativa popular. Para aniquilar esta possibilidade, a extrema direita soube opor à esquerda um discurso antissistema.
  10. Da sua parte, a esquerda hegemônica no Brasil se deixara cooptar pela grande burguesia e passou a integrar política e simbolicamente o sistema, ainda que funcionando como um atenuador do neoliberalismo em favor da economia nacional e das classes trabalhadoras. Para manter esse lugar de destaque na democracia burguesa, era necessário o abandono do programa democrático e popular e da perspectiva de acúmulo de forças com vistas a uma ruptura. Ao longo das últimas décadas o movimento democrático e popular enfraqueceu organizativa, ideológica e politicamente. No auge da crise do impeachment de Dilma Rousseff e da prisão de Lula, o movimento operário, não obstante muito ativo na luta reivindicativa até então, não entrou em cena para defender os governos do PT. Essa despolitização, para a qual a política conciliatória contribui, abriu portas para a demagogia antissistema e anticorrupção do bolsonarismo em amplos setores populares.
  11. Esse novo elemento, a aliança entre o neofascismo e o neoliberalismo, torna necessária a combinação de medidas de caráter antifascista e antineoliberal. Não se trata de um programa socialista ou revolucionário, mas da busca por estabelecer uma democracia mais avançada e restituir minimamente os direitos dos trabalhadores, permitindo recuperar condições materiais mais favoráveis para a luta popular.
  12. O neofascismo elege como inimigos principais os movimentos comunista, popular, feminista, negro e LGBT. A ofensiva neoliberal que degradou profundamente as condições de vida do povo brasileiro atinge principalmente as frações racializadas da classe trabalhadora, em especial as mulheres negras. Sob o neofascismo, há o fortalecimento de ideologias reacionárias que agravam o já brutal quadro brasileiro, marcado por índices recordes de violência contra mulheres e LGBTs e pelo genocídio do povo negro. Assim, a luta contra o patriarcado e o racismo estrutural, marcas profundas de nossa formação social, adquirem na atual conjuntura uma centralidade ainda maior.
  13. A política brasileira está focada no processo eleitoral e o voto é o calcanhar de Aquiles da direita fascista e da direita tradicional: as intenções de voto em Bolsonaro estão estagnadas e a direita neoliberal sequer possui um candidato próprio que seja competitivo. Nesse cenário, a Consulta Popular mobilizará a sua militância para que, juntamente com outras organizações populares e correntes socialistas, inclusive aquelas que pertencem ao PT, pressionem a candidatura Lula para assumir um programa que seja ao mesmo tempo antifascista e antineoliberal, além de antirracista e antipatriarcal.
  14. Do fato de estarmos sob o domínio de um governo fascista, não se deve deduzir, ao contrário do que sugerem alguns analistas e dirigentes de esquerda, que devemos restringir a luta eleitoral à tarefa de vencer o autoritarismo fascista. No Brasil atual, a exigência de um programa antineoliberal visa, ao incorporar o atendimento das necessidades mais sentidas das massas trabalhadoras, mobilizá-las contra o fascismo e permitir-lhes a melhora de suas condições de trabalho e de vida. Devido ao patriarcado e à racialização imposta a essas massas, o mesmo pode ser dito das lutas antirracista e feminista, que polarizam com o conservadorismo e o racismo do movimento neofascista, ao mesmo tempo que contribuem na construção de protagonismo e de condições mais favoráveis para a maior parte da classe trabalhadora brasileira.
  15. A vitória sobre o fascismo não se resume a vencer a eleição de outubro próximo. É necessário impor ao fascismo uma derrota política e moral profunda que debilite ao máximo essa ameaça que pesa sobre a democracia e os trabalhadores brasileiros. Isso exige que o futuro governo se comprometa com um programa democrático que inclua a desfascistização do Estado brasileiro e de responsabilização pelos crimes cometidos pelo movimento fascista. Assumindo a Presidência da República, Lula pode e deve comprometer-se com a luta antifascista e colocar o peso de sua autoridade para que as demais instituições do Estado também assumam responsabilidades nessa luta. Conciliar com o bolsonarismo e anistiar os seus crimes, em troca de uma ilusória moderação na oposição, seria um grave erro político, pois permitiria a sua reorganização e contraofensiva.
  16. O caráter antineoliberal do programa visa abrir caminho para superar esse modelo capitalista excludente, predatório e antinacional, atravessado pelo patriarcado e pelo racismo estrutural, que fazem das frações racializadas da classe as mais afetadas pelo avanço do neoliberalismo. Não se trata de uma revolução – não nos encontramos numa crise revolucionária –, mas de reformas que iniciem o processo de superação da situação de estagnação e de empobrecimento na qual o Brasil se encontra há anos. Entre elas, destaca-se a revogação da Reforma Trabalhista de 2017, o que depende apenas de lei ordinária, mas que se reveste de enorme transcendência política e ideológica.
  17. O conteúdo antirracista e feminista se articula ao caráter antineoliberal e antifascista do programa popular. Sabemos que mulheres e negros são duramente atacados pelo neofascismo, além de representarem os segmentos da classe trabalhadora mais afetados pela supressão de direitos sociais e trabalhistas. O patriarcado e o racismo, marcas de nossa formação social, devem ser tratados de forma central em nossa política e em nossas formulações. A secundarização da luta contra tais estruturas contribui para a dispersão das forças populares e facilita a penetração de concepções liberais e individualistas no seio do povo.
  18. Nas eleições de 2022 e ao longo de todo o ano, atuaremos, em conjunto com outras organizações, para eleger Lula presidente. Nesse processo, contudo, manteremos nossa independência política, defendendo que se assuma um programa antineoliberal, antifascista, antirracista e antipatriarcal. Esse programa visa aglutinar os setores populares e organizá-los para além do processo eleitoral, contribuindo com o fortalecimento da luta popular, imprescindível para enfrentar o neofascismo e o neoliberalismo que acossam o nosso povo.
  19. A Consulta Popular está ciente de que serão muitas as dificuldades para definir e aplicar um programa como o apresentado acima por intermédio do lulismo. Essa corrente política tende sempre a evitar o conflito, buscar a conciliação, e refrear a organização e a mobilização popular. Esmera-se em obter apoio dos partidos fisiológicos e conservadores no Congresso Nacional, mas subestima a importância da organização das massas, inclusive em apoio e na defesa de um governo que pretende realizar reformas de conteúdo popular. Contudo, e apesar disso, o lulismo traduz, hoje, a aspiração das massas populares em derrotar o fascismo e melhorar as suas condições de trabalho e de vida. É tarefa da Consulta Popular politizar e fortalecer a organização popular durante o processo eleitoral em torno da candidatura Lula da Silva, do PT. Por isso, nosso apoio se dará criticamente, cobrando, juntamente com outras organizações populares e correntes socialistas, que Lula e o PT correspondam às expectativas das classes populares.

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Somos uma organização política, um instrumento voltado para a organização do povo brasileiro, para as lutas populares e para a formação.

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