<strong>Uma luta prolongada contra o fascismo</strong>

Nota da Direção Nacional da Consulta Popular:

1. As forças populares venceram uma batalha de muita importância. A vitória eleitoral da candidatura Lula retira da Presidência da República a principal liderança do movimento neofascista no Brasil. Saudamos cada um que se engajou e possibilitou, das mais variadas formas, essa conquista das classes populares.

2. A eleição de Lula cumpre o papel de desacelerar o contínuo avanço do movimento neofascista no país, dando mais tempo para as forças democráticas e populares se recomporem. Com o governo Lula, é possível lutar contra o avanço do neofascismo nas instituições, especialmente no Supremo Tribunal Federal (STF), que teria mais dois ministros indicados por Bolsonaro, caso fosse eleito, no próximo ano. Em menor medida, a mesma luta será possível no Congresso Nacional, dividindo o “centrão”; e nas polícias, com a nomeação de novos nomes nas cúpulas, dentre outros exemplos. O governo Lula pode, ainda, adotar medidas que beneficiem a vida dos trabalhadores e das massas populares, melhorando o terreno para a organização, luta e educação política nos sindicatos, movimentos e partidos.

3. O fascismo, contudo, segue forte e na ofensiva. E a esquerda, socialdemocrata ou socialista, fraca e na defensiva. A tendência atual é de crescimento do fascismo no país. Os resultados do bolsonarismo nas eleições e sua capilaridade social, muitas vezes subestimada, são indicadores dessa correlação de forças desfavorável. O neofascismo se estruturou, tem uma liderança de massas, ganhou identidade, segue com base de apoio nas forças armadas e nas polícias militares, atuante e acumulando experiência.

4. Embora tenhamos triunfado na principal batalha eleitoral, o movimento neofascista obteve um crescimento expressivo nessas eleições. Ele foi vitorioso no Congresso Nacional e nos Governos estaduais. Os partidos vinculados ao bolsonarismo (PL, Republicanos, PSC, Patriota, Novo, PTB) ampliaram 10 cadeiras na Câmara dos Deputados, saindo de 144 para 154 deputados. O partido de Bolsonaro foi o responsável pela maior fatia desse crescimento, com 23 deputados federais a mais que em 2018. O PL, inclusive, alcançou a maior bancada de um partido na Câmara em 20 anos, com um total de 99 cadeiras. No Senado, o fortalecimento do bolsonarismo é ainda mais evidente. Das 27 vagas em disputa, ele conquistou 14 delas, subindo em 6 o número de seus senadores. O PL tornou-se a maior bancada partidária também nessa casa, com 13 cadeiras no total.

Há de se ressaltar que a centro-esquerda obteve alguns êxitos nas eleições do Legislativo. Como a ampliação de 4 cadeiras na Câmara dos Deputados e de 1 no Senado, com um crescimento do PT, em 12 e 2 parlamentares em cada casa, respectivamente. Houve uma ampliação das representações parlamentares de indígenas, negras, mulheres e LGBTQIA+. E, além disso, a votação expressiva de lideranças do Psol no Rio de Janeiro e em São Paulo. Porém, esses ganhos não se equiparam ao resultado do bolsonarismo nessas disputas.

Nas eleições para os governos estaduais, o movimento neofascista foi a única força que cresceu. O número de governadores vinculados organicamente ao bolsonarismo subiu de 4, em 2018, para 6 nessas eleições (Paraná, Rio de Janeiro, Tocantins, São Paulo, Rondônia e Santa Catarina). Já a centro-esquerda caiu de 9 para 7 governadores.

O resultado eleitoral das candidaturas da esquerda socialista, em todas as esferas, restou inexpressivo. O que é um reflexo do período contrarrevolucionário que temos experimentado em todo o mundo, há algumas décadas.

5. As eleições também comprovaram a liderança de Bolsonaro no movimento neofascista, a capacidade desse de punir quadros dissidentes e de substitui-los por novos quadros. O segundo turno das eleições presidenciais registrou a menor diferença de votos entre os candidatos da história do país. Bolsonaro obteve 58.206.354 votos, uma diferença de menos de 2 milhões de voto de Lula. A candidatura do movimento neofascista venceu em todas as regiões do Brasil, com exceção do Nordeste. Aqueles que romperam com o governo Bolsonaro não se elegeram, como os ex-ministros Luiz Henrique Mandetta e Abraham Weintraub. Em alguns casos, obtiveram resultados pífios, como Joice Hasselmann, que saiu de 1 milhão de votos em 2018 para 13 mil votos nessas eleições. Por outro lado, figuras que fizeram parte do governo obtiveram grande votação e se elegeram, como Eduardo Pazzuelo, Tereza Cristina e Tarcísio de Freitas, dentre outros.

6. Desde o golpe de 2016, a base social do neofascismo tornou-se mais organizada e agressiva, articulando-se através de um “partido virtual”. A tarefa de organizar uma nova legenda eleitoral se mostrou dispensável para Bolsonaro. O neofascismo brasileiro inaugurou outro tipo de organicidade, construída e mantida nas redes sociais, e com comando centralizado. As centenas de trancamentos simultâneos em todos os estados do país, os atos e acampamentos em frente aos quartéis, as crescentes agitações de cunho xenófobo, misógino, racista, antiesquerda, a precisão das palavras de ordem em cada situação, são demonstrativos da experiência e da capacidade organizativa que vem sendo acumulados pelo movimento neofascista. Nesse bojo, as ações violentas, seja da base do movimento ou praticados por lideranças como Roberto Jefferson e Carla Zambelli, vão se naturalizando e sendo estimuladas.

7. A tática do neofascismo consistirá em combinar a oposição institucional com ações golpistas. O bolsonarismo manteve uma tática dupla ao longo do governo. A luta ilegal, com ameaças à democracia, ataques às instituições e à confiabilidade das urnas eletrônicas, mobilização de sua base social, etc. Ao mesmo tempo em que investiu na luta legal, priorizando os interesses da grande burguesia, mas fazendo concessões à sua base, e até mesmo aos trabalhadores mais empobrecidos, através de benefícios sociais. Prosseguirá com essa tática, agora na oposição, com um pé no acúmulo de forças eleitoral, e outro buscando neutralizar o apoio popular ao governo Lula, separar os atores tradicionais da burguesia da classe que representam e ganhar apoio burguês e do imperialismo a um golpe de Estado.

8. A oposição dirigida ou influenciada pelo neofascismo bolsonarista cumprirá um papel funcional para auxiliar as frações burguesas que pretendem manter o governo Lula nos estritos limites do neoliberalismo. O deslocamento do apoio eleitoral de frações da burguesia interna para a candidatura de Lula mantém, ainda assim, a coesão burguesa em torno de um programa de restrições fiscais, exploração do trabalho, privatizações e manutenção das reformas trabalhista e da previdência. Lula, portanto, assume o governo com a vitória de uma Frente Ampla sobre o fascismo, no entanto, nesta composição vitoriosa nas urnas, vários setores defendem a manutenção de um programa neoliberal. Trata-se de uma situação de constante ameaça contra o governo, para que não “saia da linha”.

9. Assim como aconteceu na América Latina, com os governos chamados progressistas, eleitos em período recente, se o Governo Lula não avançar em medidas que beneficiem os trabalhadores, tende a herdar e ser responsabilizado pela crise que se arrasta. É o caso da Argentina, onde a aprovação do governo de Fernández caiu, em dois anos, de 70% para 21%. No Chile, o recente governo Boric alcança reprovação recorde e apoio de apenas 31% da sociedade. No Peru, Pedro Castillo afastou-se das organizações de esquerda, e está sob ameaça de ser derrubado do governo. Em período recente e turbulento, protestos contra o alto custo de vida eclodiram no Equador, Panamá e Haiti. Em que pesem as particularidades de cada país, os governos eleitos a partir da insatisfação com a crise econômica e com o modelo neoliberal têm enfrentado um cenário de desgaste, crise institucional e de oposição articulada de direita. Esses ataques só podem ser repelidos com a efetiva melhora da vida das massas.

10. O trunfo do fascismo é que, mesmo perseguindo interesses burgueses, consegue adentrar nas classes populares e mobilizar parte delas. Porém, a sua dependência do apoio das massas, com quem guarda contradições insolúveis, é também o seu principal ponto fraco. Historicamente, o movimento fascista canaliza a euforia da classe média e da pequena burguesia, fundada em insatisfações reais, para arrastar atrás de si parte dos trabalhadores proletarizados, do campo e da cidade, ou, ao menos, neutralizá-los. Não é diferente com o bolsonarismo. Porém, seu programa burguês não é capaz de solucionar as contradições nas quais essas classes estão imersas. Pelo contrário, o fascismo no Governo tende a reduzir o nível de vida dos trabalhadores e privilegiar o grande capital, como tem mostrado Bolsonaro. Mesmo as concessões que o fascismo costuma fazer às classes populares têm margens de manobra reduzidas, especialmente quando crescem as lutas e reivindicações populares. Essas contradições objetivas que o fascismo não pode superar oferecem as possibilidades de, numa luta paciente e perseverante, esmagá-lo. É atingindo seu calcanhar de Aquiles que iremos derrotá-lo.

11. As classes trabalhadoras seguem em um momento de refluxo, defensiva e retirada de direitos no último período. Uma vanguarda que lute, com cada camada dos trabalhadores, por suas necessidades mais elementares é o catalisador que acelera a reversão desse quadro. O número de greves e mobilizações, um dos indicadores da disposição à luta da classe, tem caído fortemente desde 2016. A mais recente greve geral ocorreu somente em 2017. Entre 2020 e 2021, de acordo com o Dieese, 95% das negociações salariais tiveram pautas defensivas, muitas delas as chamadas “greves de desalento” contra o fechamento de unidades de trabalho. O baixo índice de sindicalização no Brasil reduziu-se em dez anos, de 18% para cerca de 10% dos trabalhadores. Ao seu redor, os trabalhadores vivenciaram um cenário de elevação de precarização e desemprego. Mesmo a recente retomada de postos de trabalho se dá no contexto de postos de trabalho precarizados. Só com uma vanguarda que se una aos interesses mais imediatos dos trabalhadores, é que a recuperação da sua capacidade de luta poderá se acelerar.

12. É preciso retomar a unidade política, programática e de ação das forças populares. Manter-se nos limites de um governo aprisionado pelo neoliberalismo é o maior estímulo a uma futura frustração, que alimentará o discurso antissistêmico do neofascismo, e adentrará nas massas. As organizações populares têm se mantido ineficazes na disputa, política e ideológica, do proletariado e das demais classes populares para suas fileiras. É necessário construirmos uma política que, ao passo que defenda o governo da ofensiva fascista, vá além das suas margens, e possa efetivamente mobilizar o proletariado e resgatar sua parcela capturada pelo fascismo. A experiência recente de construção da Frente Brasil Popular, durante as lutas contra o golpe de 2016, mostrou o potencial de ação política que uma direção coletiva é capaz de desenvolver.

13. Na luta contra o neofascismo, uma tática de “pacificação” com o bolsonarismo concorrerá com uma tática de enfrentamento a ele. A punição dos crimes do bolsonarismo e a desfascistização e desmilitarização das instituições são vitais. Os que advogam pela “pacificação” estão apenas adiando um enfrentamento inevitável, que seria feito depois, quando estivéssemos em condições piores. No período turbulento que se avizinha, lutando contra um inimigo mais forte e violento, a vanguarda brasileira precisará desenvolver a arte de escolher, sabiamente, o momento político do enfrentamento e, também, o momento da espera e de recuo; de saber selecionar os alvos políticos corretos do inimigo, aqueles mais vulneráveis, e de concentrar forças para atacá-lo. A luta contra o fascismo é uma verdadeira guerra política, que não admite erros.

14. A defesa do resultado das eleições, a punição dos crimes cometidos pelos bolsonaristas e a conquista das promessas mais imediatas da campanha de Lula são as principais bandeiras de luta deste momento. Ir às ruas para garantir a posse de Lula, como já definiram as Frentes, ajuda a colocar em prática o estado de resistência e mobilização permanente que a ofensiva fascista e neoliberal requererá no próximo período. Essas mobilizações poderão ajudar, também, que sejam investigados e punidos os crimes cometidos pelo movimento neofascista durante seu governo. Certamente, o próprio Bolsonaro vem escondendo, debaixo da cadeira de Presidente, diversos crimes. Porém, não será fácil punir a liderança neofascista no curto prazo. Isso porque não se trata apenas de uma ordem jurídica, mas também de desmoralizá-lo e enfraquecê-lo. O melhor caminho é selecionar e atingir primeiro os elos mais fracos, mais expostos, e ainda assim simbólicos, como é o caso recente do diretor da PRF, que conduziu e colaborou com condutas ilegais e golpistas durante e após as eleições. Por fim, não se pode esperar que as medidas prometidas por Lula, em sua campanha, caiam no nosso colo. A difícil situação do governo, pressionado e ameaçado pela burguesia, exige que elas sejam conquistadas. Coloca-se na ordem do dia, em síntese, a:

  1. Defesa do resultado das eleições;
  2. Investigação e punição do Diretor da PRF;
  3. Aumento do Bolsa Família pra R$ 600,00, e mais R$ 150 reais por cada criança;
  4. Reajuste do Salário Mínimo, corrigindo a inflação;
  5. Isenção de Imposto de Renda para salários abaixo de R$ 5 mil.

15. Temos pela frente uma luta prolongada contra o fascismo. Que, entretanto, terminará com a vitória das classes populares. A História tem mostrado que é o movimento das massas, às vezes levado até seu estágio mais encarniçado, que pode ter como consequência a destruição do fascismo. Neste momento, é preciso reconhecer, as organizações populares não têm capacidade de enfrentar, por exemplo, as centenas de trancamentos que foram realizados pelo bolsonarismo após as eleições. Porém, os enfrentamentos espontâneos que foram possíveis, ainda que pontuais, onde os trabalhadores criaram condições de desfazer os trancamentos e enxotar os fascistas, relembram que é preciso recuperar a fé no instinto de classe do proletariado. No próximo período, os nossos apelos gerais à mobilização serão importantes, mas serão insuficientes. Ir às massas, reestabelecer o contato com todas as camadas populares que o fascismo esforça-se para influenciar, desacreditar o fascismo na luta junto a elas, estabelecer ligações políticas extremamente orgânicas e sólidas, são as tarefas que darão formas vivas à fé no poder do proletariado. São essas as tarefas fundamentais que, impulsionadas e desenvolvidas pelas vanguardas políticas, ao final de uma longa luta, nos darão a vitória.   

11 de novembro de 2022

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