Ei, ei, EUA! Quantas bombas você deixou cair hoje?

Por NICOLAS J S DAVIES*MEDEA BENJAMIN** | Janeiro, 2022

Foto: Familiares de vítimas se reúnem após um ataque aéreo dos EUA em Cabul matar dez civis no Afeganistão. [Wakil Kohsar/AFP via Creative Commons].

O Pentágono finalmente publicou seu primeiro “Airpower Summary” (Sumário de Poder Aéreo) desde que o presidente Joe Biden assumiu o cargo há quase um ano. Esses relatórios mensais são publicados desde 2007 para documentar o número de bombas e mísseis lançados pelas forças aéreas lideradas pelos EUA no Afeganistão, Iraque e Síria desde 2004. Mas o presidente Donald Trump parou de publicá-los após fevereiro de 2020, encobrindo em segredo os contínuos bombardeios dos EUA.

Nos últimos vinte anos, conforme documentado na tabela abaixo, as forças aéreas dos EUA e aliados lançaram mais de 337.000 bombas e mísseis em outros países – uma média de quarenta e seis ataques por dia. Esse bombardeio sem fim não foi apenas mortal e devastador para suas vítimas, mas também é amplamente reconhecido como seriamente prejudicial para a paz e a segurança internacionais, diminuindo a posição dos Estados Unidos no mundo.

Agora, mesmo diante da tomada do Talibã no Afeganistão, eles apostam no seu sucesso em vender essa narrativa contrafactual ao público para reacender a antiga Guerra Fria com Rússia e China, aumentando dramaticamente e previsivelmente o risco de uma guerra nuclear.

Os novos dados do “Airpower Summary” revelam que os Estados Unidos lançaram outras 3.246 bombas e mísseis no Afeganistão, Iraque e Síria (2.068 sob Trump e 1.178 sob Biden) desde o final de fevereiro de 2020.

A boa notícia é que o bombardeio dos EUA nesses três países diminuiu significativamente em relação às mais de 12.000 bombas e mísseis lançados sobre eles em 2019. De fato, desde a retirada das forças de ocupação dos EUA do Afeganistão em agosto, os militares dos EUA não conduziram oficialmente qualquer ataque aéreo lá, e os novos dados mostram que apenas treze bombas ou mísseis foram lançados no Iraque e na Síria – embora isso não impeça ataques adicionais não relatados por forças sob comando ou controle da CIA.

Os presidentes Trump e Biden merecem crédito por reconhecer que bombardeios e ocupações sem fim não poderiam levar à vitória no Afeganistão. A velocidade com que o governo instalado pelos EUA caiu diante do Talibã uma vez que a retirada dos EUA estava em andamento, confirmou como vinte anos de ocupação militar hostil, bombardeio aéreo e apoio a governos corruptos serviram no fim apenas para levar o povo cansado da guerra do Afeganistão de volta ao regime do Talibã.

Não houve responsabilização por esses vinte anos de destruição sem sentido. Mesmo com a publicação dos “Airpower Summaries”, a desagradável realidade das guerras de bombardeio dos EUA e as “casualidades” [que incluem mortos, feridos, desaparecidos e aprisionados, L.] em massa que infligem permanecem em grande parte ocultas.

Uma reportagem de dezembro de 2021 do The New York Times, resultado de uma investigação de cinco anos, expôs as consequências dos ataques aéreos dos EUA. O artigo era assombroso não apenas pelas altas baixas civis e mentiras militares expostas, mas também porque revelou o quão pouco reportagens investigativas a mídia dos EUA fez nessas duas décadas de guerra. Para a maioria do público nos EUA, é como se essas centenas de milhares de explosões mortais nunca tivessem acontecido.

Agora que o novo “Airpower Summary” preencheu os números anteriormente ocultos de 2020-21, aqui estão os dados mais completos disponíveis sobre vinte anos de ataques aéreos mortais e destrutivos dos EUA e seus aliados.

Números de bombas e mísseis lançados em outros países pelos Estados Unidos e seus aliados desde 2001

 Iraque (& Síria*)AfeganistãoIêmenOutros **
200121417,500  
20022526,5001 
200329,200   
200428586 1 (Pk)
2005404176 3 (Pk)
20063102,644 7,002 (Le, Pk)
20071,7085,198 9 (Pk,S)
20081,0755,215 5,554 (Pk, Pl)
20091264,18435,554 (Pk, Pl)
201085,1262128 (Pk)
201145,411137,763 (Li, Pk,S)
2012 4,0834154 (Li,  Pk,S)
2013 2,7582232 (Li, Pk,S)
20146,292*2,365205,058 (Li, Pl, Pk,S)
201528,696*94714,19128 (Li, Pk,S)
201630,743*1,33714,549529 (Li, Pk,S)
201739,577*4,36115,969301 (Li, Pk,S)
20188,713*7,3629,74684 (Li, Pk,S)
20194,729*7,4233,04565 (Li, S)
20201,188*1,6317,62254 (S)
2021554*8014,4281,512 (PlS)
     
Total154,078*85,10869,65228,217

Total geral = 337,055 bombas e misseis lançadas desde 2001.

Obs.:
Outros: Líbano, Líbia, Paquistão, Palestina, Somália.

Esses números são baseados nos “Airpower Summaries” dos EUA para o Afeganistão, Iraque e Síria; a contagem do Bureau of Investigative Journalism de ataques de drones no Paquistão, Somália e Iêmen; a contagem do Yemen Data Project de bombas e mísseis lançados no Iêmen (somente até setembro de 2021); o banco de dados da New America Foundation de ataques aéreos estrangeiros na Líbia; e outras fontes.

O fracasso do governo, dos políticos e da mídia corporativa dos EUA em informar e educar honestamente o público sobre a sistemática destruição em massa causada pelas forças armadas de nosso país permitiu que essa carnificina continuasse em grande parte despercebida e sem controle por vinte anos.

Também nos deixou precariamente vulneráveis ​​frente a retomada de uma narrativa anacrônica e maniqueísta de Guerra Fria com o risco de uma catástrofe ainda maior. Nesta narrativa às avessas, feita “através do espelho”, o país que realmente bombardeia cidades até escombros e trava guerras que matam milhões de pessoas se apresenta como uma força bem-intencionada pelo bem no mundo. Em seguida, pinta países como China, Rússia e Irã, que compreensivelmente fortaleceram suas defesas para impedir que os Estados Unidos os atacassem, como ameaças ao povo dos EUA e à paz mundial.

As conversações de alto nível, que começaram em 10 de janeiro em Genebra, entre os Estados Unidos e a Rússia são uma oportunidade crucial, talvez até mesmo uma última chance, para conter a escalada da atual Guerra Fria antes que o dano sobre as relações Leste-Oeste se torne irreversível ou se transforme em um conflito militar.

Se quisermos emergir desse pântano de militarismo e evitar o risco de uma guerra apocalíptica com a Rússia ou a China, o público nos EUA deve desafiar a narrativa contrafactual da Guerra Fria que os militares e líderes civis dos EUA disseminam para justificar seus investimentos cada vez maiores em armas nucleares e na máquina de guerra dos EUA.

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*Nicolas J S Davies é o autor de “Blood On Our Hands: the American Invasion and Destruction of Iraq” [Sangue em nossas mãos: a invasão americana e a destruição do Iraque]. Ele é pesquisador do CODEPINK: Women for Peace [CODEPINK: Mulheres pela paz] e escritor freelance.

**Medea Benjamin é codiretora do grupo de paz CODEPINK. Seu último livro é Inside Iran: The Real History and Politics of the Islamic Republic [Dentro do Irã: a história e a política reais da república islâmica].

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